Sabe aquele livro que você lê e sabe, ainda durante a leitura, que não será a mesma pessoa depois de ter lido aquilo? "A Trégua" foi um desses livros, um dos que chamo "livros da minha vida".
Pra já começar com o coração dando aquela parada centesimal em que é como se pulasse uma batida, a primeira data do diário de Martín é a data do meu aniversário. Eu já comecei então o livro com uma certa boa vontade, um querer-gostar. Ainda nas 10 primeiras páginas, e estando já quase conquistada pela linguagem de Benedetti, ele escreve:"Há uma espécie de reflexo automático nisso de falar da morte e em seguida olhar o relógio." Aí ele me ganhou de vez. Vivi tantas vezes essa situação, esse desconforto provocado ao se falar de morte, vi tantas pessoas olharem o relógio, ouvirem o telefone, lembrarem-se de um compromisso inadiável para o qual já estão atrasadas. É ou isso, ou o silêncio. E é assim mesmo, para a morte não há palavras. As que são usadas nunca são suficientes, por mais que se tente. E Benedetti tratou disso com uma sensibilidade única. Esse falar da morte sem tentar esgotá-la, falar também da vida e do amor sempre deixando presente uma dimensão em que sabe-se que as palavras não esgotam o que se vive.
"Comemos. Conversamos. Rimos. Fizemos amor. Tudo correu tão bem que não vale a pena escrevê-lo."
"Tudo passou tão rápido, foi tão natural, foi tão feliz, que não pude tomar nem uma só anotação mental. Quando se está no próprio foco da vida é impossível refletir."
E ainda assim, ainda dizendo isso, Benedetti escreve através de Martín cenas belíssimas. Declarações que renovam a crença no amor, momentos rotineiros que deixam gosto de felicidade, e uma simples palavra que derruba todo o castelo.
Tenho uma certa tendência à melancolia, essa coisa meio triste, meio bela, que dói mas vale a pena, e "A Trégua" é assim. Doído, triste, lindo, vivo.
"Nunca havia sido tão plenamente feliz como nesse momento, mas tinha a sensação dilacerante de que nunca mais voltaria a sê-lo, ao menos nesse grau, com essa intensidade. O cume é assim, claro que é assim. Além disso, estou certo de que o cume dura apenas um segundo, um breve segundo, uma centelha instantânea e sem direito à prorrogação."
E o que restou do livro em mim foi isso: essa centelha que acende, consome-se e desaparece no tempo de um instante, esse breve momento de trégua que dura apenas um segundo no relógio mas que continua acontecendo em nós até nosso apagamento final.
5 comentários:
Adoro ler as coisas que você escreve. Meu sonho é ter uma livraria, podemos abrir uma juntas, se quiser.
"Comemos. Conversamos. Rimos. Fizemos amor. Tudo correu tão bem que não vale a pena escrevê-lo."
A felicidade nem produz literatura, apenas vida.
Sabe aquele livro que você lê e sabe, ainda durante a leitura, que não será a mesma pessoa depois de ter lido aquilo? "Ulysses" foi um desses livros, um dos que chamo "livros da minha vida".
:)
Beijo, querida.
Boa segunda pra você e pro Garfield.
Claro que com uma resenha dessas vou ter que ler este livro, né?
E que belo comentário da Andressa após um belo post teu.
Andressa e Alicia: muito obrigada pelos comentários, queridas. :)
Andressa: Adoraria ter uma livraria também, quem sabe, né?
Alicia: Leia mesmo, é lindo demais. E tem versão de bolso dele, leve e baratinha e a tradução é super boa.
Beijos pras duas!
Olá Carina!!!
Adorei a resenha do livro... deu muita vontade de ler!
Obrigada por nos trazê-lo aqui!
Beijos!
querida, venho aqui, primeiro para te agradecer. segundo para te dizer que adoro teus escritos, que acompanho pelo twitter (agora por aqui também). por final, te dizer que benedetti é genial e junto com juan carlos onetti (a rima não é obrigatória) são dois grandes escritores universais.
beijos
denison
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