Confesso que tenho um respeito pelas palavras que chega à margem do medo. As palavras que digo, quando as digo, perco-as, perco a posse imaginária que tenho sobre elas. Então muitas vezes calo. Por medo de soltar palavras e ter que aceitar que elas me atravessam, me marcam, passam por mim, mas não as retenho, seu destino é outro - o outro. É no ouvido do outro que minhas palavras ganham voz.
Quando as palavras saem de minha boca - ou dos meus dedos – para o mundo, seu destino é sempre imprevisível. O que você entende quando eu digo: imprevisível? Foi realmente isso que eu quis dizer? Certamente não. Há uma dissimetria inevitável, entre a intenção que tem aquele que diz e o significado dado por aquele que escuta, que nunca desaparece.
Essa dissimetria me angustia e, por isso, tento definir tudo, sempre. Adjetivos e advérbios em profusão, tentando dar conta daquilo que ouço, leio, penso, tentando amarrar as palavras para que elas não saiam por aí tomando outros rumos, novos caminhos, diferentes daquele que luto tanto para estabelecer.
Mas, por mais que eu tente, a vida não obedece. Quando menos espero sou tomada por algo que não consigo apreender ou definir. Todos os adjetivos e verbos, de todas as línguas do mundo, não são suficientes. Pode ser um encontro, uma obra de arte, as palavras de um outro, o amor. Seja o que for, nesses momentos agradeço por não ser tão eficiente em minhas amarrações. Porque são os momentos em que estou mais viva. Momentos imprevisíveis, indefiníveis, e, por isso mesmo, inesquecíveis.
(...) continuamos andando, lado a lado, até um trecho que tinha uma carcaça de barco no mar, você se lembra? Eu lembro porque foi aí que paramos, para ver o tal barco, e você me tocou. Você só encostou, segurando muito de leve o meu braço. Mas bastou isso. Em um segundo fui completamente tomada pelo desejo e o pânico que sempre o acompanha. Você sentou-se na mureta. E eu, de repente tão nervosa, fiquei em pé. Falamos de poesia. Eu disse que “Ou Isto Ou Aquilo” era meu livro favorito na infância. Você recitou um trecho. Alguma coisa muito estranha estava acontecendo. Quais as chances de sair com um homem capaz de recitar Cecília Meireles? E, mais, a tua voz. Você recitava com aquela voz, e me olhava com aquele olhar. Pensei que fosse chorar, ou rir, alguma coisa ia acontecer. Então você me puxou, me abraçou, e me beijou. E me beijou. E segurou de leve meu cabelo, daquele jeito que você hoje sabe tão bem que me desmancha inteira. E era tudo bom. O beijo, a mão no cabelo, a voz no ouvido, os olhos nos olhos. Eu teria ido com você pra onde quer que fosse naquele momento. Mas nunca imaginaria que acabaríamos na praia que tantas vezes fui quando criança. Um lugar que me era cheio de lembranças infantis, de família, daquela felicidade doce e plena que experimentamos algumas vezes na infância e ficam guardadas para sempre em nós. Ao levar-me ali você, sem saber, ativou algumas das minhas mais doces memórias. E eu, sem saber, deixei que você se alojasse junto a elas.
- Só vim aqui para avisar que essa é a minha última sessão.
- É sério, não vou mais voltar. Não adianta nada. Aliás, não só não adianta como atrapalha. Desde que comecei a vir aqui tenho enlouquecido mais e mais.
Silêncio.
- E você nem me ajuda, não me diz o que fazer, nunca! Fala alguma coisa!