Olhou-se no espelho e tomou um susto. Olhos sorridentes a encaravam. Pensou: onde eu estava esse tempo todo enquanto a mulher de olhos tristes dava lugar a essa menina de sorriso tão doce? Não sabia nem que era capaz de sorrir assim. E como era possível que o tempo passasse e, ao invés de envelhecer, aquela mulher tivesse tornado-se, enfim, uma menina? Nada fazia sentido, e Clara achava que aquele sentimento era paradoxal demais para ser real. Respirou fundo e tentou organizar as coisas. Organizar e classificar sempre a acalmavam. Enumerou os acontecimentos: o tempo havia passado; ela tinha sofrido; chorado; perdido. Perdeu pessoas, sonhos, toda uma vida perfeita e exaustivamente planejada. Tinha sido muito difícil, mas Clara sempre tinha uma saída para os momentos difíceis: um novo plano, novas metas, realocação de sentimentos e expectativas. E foi isso que ela fez. Reestruturou-se e acreditou ter encontrado um novo equilíbrio.
Os dias aos poucos se adaptavam à nova rotina. Conheceu outras pessoas, acreditou em outros sonhos, pensou outra vida. Tudo acontecia dentro do novo planejamento, até que, um dia, a vida aconteceu. Não a vida que Clara pensava, mas aquela que o Real a obrigava a viver. O acaso. Clara assustou-se. Tentou controlar, fugir, negar: ela era muito boa nisso. Mas o acaso tinha nome e sobrenome. E tinha olhos, boca, pele e voz. E era tudo tão vivo que chegava a assustar. A cada vez que Clara tentava controlar lembrava-se dos olhos. A cada vez que tentava fugir pensava na boca. A cada vez que tentava negar sonhava com a pele. E, quando escapava de todo o resto, ouvia a voz. E aí voltava. Voltava, esperava, sorria, chorava, sentia tudo ao mesmo tempo e não entendia nada. Não entender e não saber sempre foram os maiores medos de Clara.
Então, de repente, viu-se perdida, sem ter a menor idéia do que estava fazendo. E o pior veio em seguida: não sabia dizer o que sentia. A palavra felicidade saiu de sua boca, mas não era possível. Desde quando felicidade é essa coisa louca e estranha, não planejada, no meio de mil incertezas e nenhum tipo de garantia? Felicidade para Clara sempre dependera da conjunção correta de vários fatores. Mas não conseguia evitar. Estava apaixonada, e feliz, vivendo uma relação completamente fora de todos os seus padrões. Ainda assim, era só lembrar-se dos olhos, sentir a boca, ouvir a voz, que ela sorria. Bastava um toque para que ela se desmanchasse. Tinha que admitir que estava perdida. Não fazia idéia de onde aquele caminho a levaria. E pela primeira vez não se preocupou. Só queria que aquele homem a tomasse e a levasse para junto dele, onde quer que isso fosse.
5 comentários:
Clara e Sophia são nomes que quero dar pras minhas filhas, quando elas nascerem - daqui a uns sete anos - vou convidar você e a Ana para serem madrinhas, hahahaha. Que coisa.
Aquela mulher en-torna a menina que há dentro dela.
Só queria que aquele homem a tomasse e a levasse para junto dele, onde quer que isso fosse - mas bem que poderia ser na Irlanda.
Beijos. Adorei o texto.
E a Clara quase foi Sofia! rsrs.
Que bom que gostou do texto. :)
Beijos!
De quando a alma toma um banho de felicidade. Lindas palavras que meus olhos engoliram hoje, moça!!
Parabéns.
E a minha Sofia, quase se chamou Clara!
Hahaha, que coincidência, Ana! E agora escrevendo me toquei que a melhor amiga da Clara chama-se Ana, rsrs!
Postar um comentário