Eu sempre senti em você algo que escapa. Algo fugidio, como se você tivesse asas, sempre buscando alçar novos vôos, inquieto e curioso demais pra permanecer muito tempo no mesmo lugar, com as mesmas idéias, com as mesmas pessoas. Como se o ar que te faz vivo só pudesse ser respirado em movimento, como se você respirasse vento. A sensação é que o mundo que você vive é muito mais bonito e rico do que o das outras pessoas, do que o meu, por exemplo. Mas não é isso. Você não vive num mundo só seu, louco e irreal, a mágica está em aceitar a realidade que existe, submetendo-se ao fato de que ela está sempre em transformação, sem tentar fixar todo acontecimento e sentimento, sem dar peso excessivo à coisa alguma. O novo é que, quando surge, sempre parece – e é - mágico.
Surpreendo-me com o fato de você me atrair tanto. Eu não sou leve. Eu não vôo. Eu sempre fui pedra. Eu quero que o mundo pare, que nada mude, ou que só mude com autorização prévia, pesquisada e documentada. Em teoria, eu detestaria vento. Eu sempre detestei. Mas o vento que você traz me encanta, encantamento que vem da sua própria inconstância. Às vezes ele chega como tempestade, que derruba minhas certezas, embaralha meus conceitos e traz em seu sopro novidades lindas e assustadoras. Em outras é uma brisa de fim de tarde, na beira da praia, que traz um respingo de água pra refrescar as idéias, e o cheiro gostoso de mar que me faz relaxar e me entregar. Ou pode ser ainda um furacão, que me envolve e me cega para qualquer coisa que não seja meu desejo por você, desejo de ser tua, de ser arrastada pelo teu vento, mesmo que isso deixe marcas, talvez porque isso deixe marcas.
O que resta em mim, quando você passa ventando, é uma pedra um pouco mais leve. Teu vento leva um pouco do meu peso. Fica mais possível me deslocar sem rumo certo. Então penso que faria sentido que, mesmo tendo medo, eu quisesse te prender, segurar seu vôo do meu lado, pra não me afastar dessa sensação de liberdade e vida que você me traz. Mas te prender é te perder. E me vejo subitamente assaltada pela necessidade não de te segurar, mas de escrever, de me declarar e te declamar, de admirar e velar seu vôo.
*Essa é a primeira de uma série de cartas entitulada "Cartas ao Vento".