segunda-feira, 6 de junho de 2011

Falta

"A vida é a sós - e, o que é pior, também a morte." Campos de Carvalho

Quando li essa frase do Campos de Carvalho pensei que ela seria o começo perfeito para um texto que estava escrevendo sobre solidão. O problema é que sigo escrevendo esse texto e não consigo terminá-lo. De vez em quando retomo as poucas linhas escritas, penso em mil coisas, mas na hora de escrever não sai, e o que sai não gosto e apago. Não acho que seja à toa. Falar sobre solidão, morte, vazio, tudo que evoca a incompletude e a finitude inerentes ao ser humano é muito difícil.

Ocorre-me agora que um dos problemas, acho que o meu inclusive, é que falamos tentando não criar, mas apagar, desmerecer, superar. É muito comum falar de morte e solidão apenas como um lamento ou então como motivação para superação. Escuta-se muito por aí que “tudo passa”. Não acho que seja verdade. Lembrei-me de uma frase que me parece mais próxima da verdade: “Tudo passa, neste círculo infinito. Nada passa.” (Marcos Bassini). Isso me remete ao fato de que sim, as coisas passam, mas deixam marcas. Passar não significa apagar. Tudo que acontece, e muitas vezes o que não acontece, deixa marcas indeléveis, muitas vezes bem enterradas, escondidas no fundo do inconsciente, mas que sempre retornam.

Quando perdemos alguém, seja para a morte ou para a vida, perdemos um pouco de nós mesmos também. E essa perda deixa marcas, a presença do pedaço que falta, e que vai estar sempre ali. Tentamos moldar, preencher, esconder, mas somos feitos de mais do que carne, e a matéria humana não é tão maleável assim. Não há palavras, sentidos, ou explicações suficientes, a falta sempre escapa.

Quando falo da falta não me refiro apenas à morte ou outras perdas concretas, falo também da solidão, esse “A vida é à sós” de que falou Campos de Carvalho, a noção de que no fundo há um vazio que nunca será preenchido. Então, se não há preenchimento possível, e se nada passa, por que falar, por que escrever? Não para apagar, mas para contornar. Para construir com palavras uma borda que seja no vazio, uma fronteira feita de laços. Laços que quando são reais não se desfazem com a ausência, nem com a morte, eles contornam, amarram, seguram. Nascemos e morremos sós, mas as palavras já nos diziam antes de nascermos e continuarão nos escrevendo depois de morrermos. E é por isso que escrevo. É que, quando escrevo, não estou só.

7 comentários:

Alicia disse...

Escrever é fazer companhia pra si mesmo.


Bela reflexão, Carina!

Nara Sales disse...

"Falar sobre solidão, morte, vazio, tudo que evoca a incompletude e a finitude inerentes do ser humano é muito difícil." Uma das coisas mais verdadeiras que já li.

Escrever é vital para a alma.

Nanda disse...

Adorei o texto.
Eu escrevo por isso tbém, porque sinto uma solidão que nunca passa, tenho uma alma incompreendida. E as palavras.. ah, as palavras, essas sempre me acolhem.

Meu beijo!

Ayanne Sobral disse...

Muito bom, Carina. Muito.

'Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim'.

Lembrei de Drummond enquanto te lia. E é tão bonito o que tu escreves.

Eu adoro a companhia das palavras que, na verdade, me fazem estar comigo.

Talita Prates disse...

Ah, o que dizer além de que eu adorei, e tudo fez muito sentido pra mim?

Que bom ter lido...

Beijo doce, querideza.

Talita
História da minha alma

Lívia Azzi disse...

A reflexão remete-me a um conto de Clarice: “O ovo e a galinha”, em que ela diz que “amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor...”. Deve ser por isso que amor tem uma relação íntima com o ódio: “odeio ver em você aquilo que falta em mim e não me completa!” O que entendo sobre amor está relacionado com essa idéia que você expõe aqui de modo brilhante sobre a falta. Penso ainda que graças as minhas (benditas/malditas) faltas é que sou capaz de amar. A começar por mim, compreendendo-me e aceitando-me como incompleta e só (na vida e na morte).

Texto belo e sensível, querida Carina!

Marcelo Henrique Marques de Souza disse...

Estamos na época das lamúrias nostálgicas.. e o "tudo passa" é a defesa rápida da maioria, que prefere não elaborar.. preferem empurrar pra debaixo do tapete.

Só não acho que a vida seja "a sós".. mais do que estar povoados de fantasmas, acho que estamos entre eles...

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