segunda-feira, 11 de abril de 2011

Destino das palavras

Eu sempre escrevo para o outro. Toda e qualquer palavra que escreva, mesmo as que ninguém nunca lê, só saem de mim se tiverem um destinatário.

Eu escrevia muito na infância e na adolescência: poesias bobas para os amores e longas cartas para os amigos - ou seja, todos escritos claramente endereçados. Até que por algum motivo parei de escrever. Não acho que tenha tido um motivo específico, várias coisas contribuíram e a escrita acabou posta de lado. Passei muitos anos sem escrever nada a não ser trabalhos acadêmicos.
Até que no final de 2009 tive que escrever algo que não era exatamente um trabalho acadêmico. Eu deveria escrever sobre o ano de trabalho na instituição em que faço formação em Psicanálise. Essa escrita me atormentou, pois não era algo teórico e muito menos burocrático. Eu deveria escrever sobre os efeitos daquele ano de trabalho em mim. O que eu escrevesse seria lido por mim na frente de toda a instituição, e esse era meu maior nervosismo: o que estaria eu endereçando àquelas pessoas?
No dia da leitura emocionei-me muito. Naquela página acabei dizendo mais de mim do que eu sabia conhecer. E a maior surpresa foi perceber muitos dos que me liam e escutavam emocionados também. Ouvir de outros que minha escrita os havia tocado era algo inesperado e estranho. A primeira frase do trabalho era uma citação de Clarice Lispector (não por acaso a mesma que estampa o cabeçalho desse blog) e uma colega que eu até então desconhecia veio dizer-me que tinha comprado o livro de onde tirei a frase, seu primeiro livro da Clarice, por causa do meu trabalho. Essa colega tornou-se uma grande amiga a quem endereço hoje muitas palavras.
Alguns meses depois entrei em uma rede social de literatura (skoob) e decidi tentar escrever uma resenha sobre o livro que estava lendo naquele momento. Estranhei o resultado da escrita, parecia muito pessoal e pouco didático. Novamente a surpresa: vários comentários e muitas pessoas dizendo que minhas palavras as levaram a ler tal livro. Percebi um pouco do que me assustava e incomodava: tinha medo da força das minhas próprias palavras, do modo como elas seriam lidas, da falta de controle que eu tenho sobre elas. Porque descobri que são elas que dizem de mim, e não o contrário.
Talvez eu tivesse ficado apenas escrevendo resenhas no skoob se não fosse uma carta. Ou melhor, duas. Nessa mesma época li o texto de alguém muito importante para mim, e tive vontade de escrever-lhe sobre o que senti lendo suas palavras. O que ouvi em retorno me marcou: "Foi o melhor presente que já recebi.". E não importa se foi de fato o melhor presente, o que ficou para mim foi que tinha sido importante dizer àquela pessoa os efeitos de sua escrita em mim. Algum tempo depois escrevi uma carta para essa mesma pessoa. Uma carta de verdade, sem nenhuma pretensão a não ser comunicar sentimentos. Novamente a surpresa com o retorno: "Isso aqui é o primeiro capítulo do seu livro." Ri, achei maluquice, mas aquilo ficava me voltando. Comecei a escrever muitas cartas, algumas enviadas e outras não, mas todas para alguém.
A partir daí não conseguia mais parar: cartas, textos, diálogos, palavras e mais palavras saindo de mim, e, então, esse blog. E hoje. Quando percebi que ainda só escrevo, e acho que sempre escreverei, para alguém, mesmo que o texto nunca receba um outro olhar. Escrevo para por para fora, muitas vezes para suportar as dificuldades, em outras para me suportar. Quando uso suportar aqui penso em aguentar mas também em dar suporte. Preciso do suporte das palavras, e do suporte do outro, para viver sem enlouquecer. Para sair da loucura e da solidão que me habitam. Escrevo para tocar e ser tocada, para fazer laço, criar nós, para existir fora de mim.
Em dois momentos quase desisti desse texto. Novamente a sensação de expor-me demasiado. Mas sigo em frente. Se o escrevi, foi porque precisei. E irei publicá-lo como agradecimento a quem me incentiva e me move, alimentando minha escrita mesmo sem saber - ou justamente porque não sabe.
E agradeço também a todos que me lêem, que comentam ou não, por permitirem, sendo destinatários das minhas palavras, que eu descubra novos destinos para a minha vida.




13 comentários:

Ana SSK disse...

Carina, é um prazer te ler, sempre.
O Outro é aquele que rege todas as nossas palavras, vezenquando, até as que são apenas pensadas

Alicia disse...

Adoro saber os motivos das escritas. Quem bem escreve, tem bons motivos para fazê-lo.
A primeira coisa que me vem à cabeça, é também de Clarice: Escrevo para respirar. Ai como isso me dói.
Ai como gente que escreve bem me dói. Ai como você me dói.

http://falandocomela.blogspot.com/2011/01/escrevo-para-acordar.html

beijos.

Renata de Aragão Lopes disse...

"Eu sempre escrevo para o outro."

O próximo poema que publicarei no Doce de Lira fala exatamente sobre isso. Que coincidência!

Beijo!

Milene R. F. S. disse...

Olá Carina
Que lindo e emocionante texto! Vc diz que sempre escreve para os outros e também que tem medo de se expor... eu também tinha muito medo de me expor, pq todos os meus poemas ( agora que vc já fez a sua confição, faço a minha a vc também ) são pessoais demais, eles como com vc também, falam de mim e não o contrário... não tenho domínio sobre isso... tudo está ali, como estão da mesma forma em seus textos... relutei muito para fazer o meu blog, para mostrar para os outros algo tão pessoal... mas no final vale a pena não? Saiba que gosto muito de te ler... tomara que isso seja pelo menos um pequeno incentivo a mais para continuar... beijos com carinho, até.

Lilian disse...

Agora a escrita é endereçada a todos :)
;*

Teresinha Oliveira disse...

Escrever é um transbordamento. Quando as emoções não cabem mais dentro de você e a palavra falada se mostra insuficiente, e perdida logo após seu
som, é preciso escrever. No papel você se torna a recordação e revelação de si mesma.

Jorge Pimenta disse...

pela escrita nos escrevemos, descrevemos e reescrevemos mais do que com qualquer outro exercício. mas, neste processo de autognose, tantas vezes tortuoso e solitário, nunca estamos sozinhos: aprendemos tanto connosco como com os outros [ou não fôssemos animais sociais].
beijinho!

Nanda disse...

Eu sinceramente não sei o que seria de mim se não escrevesse.

Acho que seria um vazio, cheio de excessos...


beijo!

Suzana Martins disse...

Eu adoro o seu escrever, eu adoro o seu ler... Gosto do que escreves e do sentir que vem do escrever!!!

Beijos linda

nydia bonetti disse...

Também creio nisso. Todo texto cria vida apenas depois do primeiro olhar que o decifra - ou não. :) abraço!

Karla Thayse Mendes disse...

Então escreva para a gente...

Estaremos por aqui!

= )

Tenha uma linda semana Carina.

Beeijo

Lívia Azzi disse...

A boa escrita vem da provocação profunda de outro que nos invade e impregna de palavras aflitas para nascer.

Escrevemos para revidar!


Beijo!

Marília Felix disse...

Minhas palavras...
Meus pensamentos...

sempre correm a caminho daqui!

Adoro te lê Carina!
:]

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