segunda-feira, 30 de maio de 2011

O pensamento, o pulo e a queda.

O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda.

Escrevi essa frase alguns meses atrás e desde então ela tem me acompanhado. Escrevi-a para falar de um outro, de um personagem, mas sempre que escrevo, mesmo falando do outro, estou falando de mim. Nesse caso, é como se tivesse escrito um mantra, que devo repetir a cada dia, para que não que me esqueça: "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."

Porque eu escrevi mas não acredito, pelo menos não na maior parte do tempo. Eu passo dias, semanas, meses, presa ao pensamento que segura o pulo. Acho que se analisar bem, se conseguir entender exatamente como pular, escolher o local, estabelecer a posição do corpo, descobrir a velocidade do vento e a temperatura do sol, o pulo vai ser tranqüilo, e a queda, um simples aterrissar nas nuvens. Só que esse pensamento todo me custa muito. Fico nervosa com a possibilidade de que alguma coisa escape, de que alguma variável não tenha sido bem analisada. E penso que preciso de mais tempo para ter certeza de que tudo vai correr bem, e também que tenho que pular logo, ou as condições vão mudar e meu estudo terá sido em vão. As dúvidas me angustiam, e a angústia é das piores dores: "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."

Será que fui eu mesma quem escreveu essa frase? Ou foi ela que me escreveu? Afinal, nem sei de que eu falo, mas sei que estou ali, no pensamento, apavorada com a queda. Medo de quebrar, de não conseguir levantar, de não ter quem me dê a mão. O problema é que se não pular não quebro, mas também não ando. Fico parada, na beira do precipício, e enquanto isso a vida passa por mim. E ao escrever isso me assusto com a possibilidade de que a vida passe e eu nem veja. O pensamento cega. Fecho os olhos não para pular, mas para pensar: "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."

Qual é a saída? Há saída? Percebo que penso tentando encontrar a saída mais fácil, mais segura, mais indolor. Mas ela existe? Suspiro e digo, em voz alta, para tentar me escutar: não. Viver se escreve com risco. Não há evitação possível da dor que não evite também a vida. E quero tanto tentar não evitá-la. Mas quero e não quero. Presa no conflito entre o medo e o desejo, paro, penso. Penso até que quero pular, mas não pulo. E os pensamentos já me controlam de novo: o que é pular, como faço, como saberei que pulei... "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."

Pular, agora, é escrever esse texto. É soltar essas palavras e conviver com os efeitos delas que restarão em mim. É endereçá-las e descobrir o que elas causarão no outro. É cair, porque sei que elas não dirão tudo, e nem me traduzirão do jeito que eu quero. Mas não há outro jeito. Se é preciso me inscrever nessa frase - e é preciso - tenho que pular com ela. Mesmo sabendo que um pulo não garante o próximo. E que a cada vez precisarei escrever, e viver, de novo: "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."

10 comentários:

Ana SSK disse...

Visualmente, ao te ler, só vejo a cena final do Black Swan, em que Nina se joga - num colchão. E ela já sangra tanto nesse momento, que morre, apesar do colchão.

Não há que ser fofo o lugar onde pulamos. Mas é preciso que ainda não estejamos imersas em hemorragia.

Porque bom mesmo nem é o pulo, mas talvez seja o voo.

J.L.Tejo disse...

Tem uma frase que gosto muito, e que é pertinente com o post: "Quem decide pode errar, quem não decide já errou".

Temos medo de agir (pular). Mas, por deixarmos de agir, acabamos por nos ferir mais.

Claro que falar é fácil! ;)

Jorge Pimenta disse...

querida carina,
pior do que viver o pensamento que segura o pulo talvez seja mesmo saltar com a rede sob os pés. o medo perseguir-nos-á indefinidamente e nem o exorcismo do dizer [como jlp no teu post: "Vê como digo morte: morte morte morte morte morte. Repito-a assim e roubo-lhe o sentido. Roubo morte à morte."] nos aquietará.
beijinho!
p.s. desculpa a minha ausência por tão mais tempo do que quereria. o rolo dos dias é mesmo imparável e em alguns dos saltos tenho mesmo rede...

Jeferson Cardoso disse...

Olá, Carina! Fantástica a frase! Ela pega a gente pela orelha e fica soprando na porta do ouvido. Realmente, as possibilidades são inúmeras. Mas agora, fica a dúvida feito uma pulga sorrateira morando atrás da orelha e gritando no ouvido... “Eu pulo ou estou preso?” [sorrio]

Convido para que veja e comente o meu Armelau no http://jefhcardoso.blogspot.com/

“Que a escrita me sirva como arma contra o silêncio em vida, pois terei a morte inteira para silenciar um dia” (Jefhcardoso)

Ayanne Sobral disse...

Engraçado, ainda ontem pensava sobre isso.
Me vi passeando na beirada de um precipício, ignorando a iminência da queda, desejando cair. Até abri os braços, mas eu não pulei.
E talvez esse pensamento tenha mesmo doído mais que a - possível - queda.

Que lindo o teu texto, Carina. E como eu me vi nele.

A gente segue assim: pulando com as palavras. Um dia aprendemos a voar.

Anônimo disse...

Adorei. Eu sou o pensamento que segura o pulo =/

Lívia Azzi disse...

Querida Carina,

Assim como a Ayanne, também me vi em seu texto, identifiquei muito com seus pensamentos, dúvidas e angústias... Claro, com a minha interpretação nesse pulo e participação pessoal nessa queda...

Lembrei de um texto que escrevi: “O prazer é cair”, poucas pessoas entenderam o que eu queria dizer, acho que foi nesse dia que nos conhecemos pelo blogger, você comentou (e me salvou!), senti que você tinha entendido bem as minhas palavras.

Eu falava de provas de amor e garantias... Quer dizer: “conseguir entender exatamente como pular, escolher o local, estabelecer a posição do corpo, descobrir a velocidade do vento e a temperatura do sol, o pulo vai ser tranqüilo, e a queda, um simples aterrissar nas nuvens”. Para conseguir isso preciso que o outro me assegure que é possível, ou me dê (uma falsa) sensação de que seja. E mesmo que ele dê essa segurança, pode ser que perca toda a graça. Uma queda de pára-quedas pode perder toda a adrenalina.

E a liberdade da queda? Será que só pulei porque o outro pulou também, isso não tem o menor sabor de aventura! Mas, se eu crio coragem, se eu pulo, aprendo a alçar voo, qual a graça de voar sozinha?!

É como você disse: “não há outro jeito”. Nenhuma escolha é completamente segura, viver é perigoso...

Beijo!

Alicia disse...

Voar, dá medo.

Cair, não.

À queda, estamos acostumadAs.

Sim, no feminino.

Alvarêz Dewïzqe disse...

a vida ressurge, no fim do poço, pronta para tudo de novo.

Milene R. F. S. disse...

Pois é, o medo nos paraliza e nos impede de viver... e qual será a maior dor, a de se esborrachar na queda, ou a de não viver? Pergunta complexa com várias possibilidades de resposta. Para mim não viver é a maior dor... a dor da paralisia, a dor do se.... e se eu tivesse tentado, o que teria acontecido? A dor da nossa imaginação que sempre pinta tragédias, que ao tentar nos defender, nos faz sofrer... Adorei o seu texto moça, e no fim das contas nele vc se jogou... beijos!

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