segunda-feira, 4 de abril de 2011

Se eu tivesse medo não estaríamos aqui.

Era primeiro de abril e eu menti. “Se eu tivesse medo não estaríamos aqui.” Não achei que estivesse mentindo quando disse, e as mentiras muitas vezes são ditas assim, acreditando-se verdades, elas se confundem, se fundem, transformam-se uma na outra.

“Se eu tivesse medo não estaríamos aqui.” Mentira. É claro que tenho medo. Tenho medo do seu medo. Medo do acaso. Medo dos desencontros. Medo de sucumbir ao medo e não conseguir mais tecer a teia que te permite voltar. Mas o que temo mais que tudo é o não-dito. Porque aquilo que não é dito não permite circulação, não dá nós, não faz voltas. E precisamos de nós, de voltas, de palavras. É por elas que estamos aqui, não pela minha falta de medo.

“Se eu tivesse medo não estaríamos aqui.” A mentira que se aproxima da verdade quando acrescento uma palavra (e uma preposição): “Se eu tivesse medo de dizer não estaríamos aqui.” Só estamos aqui porque dizemos. Falamos dos medos, dos desejos, das dificuldades, das separações, dos encontros, dos recuos e das voltas. Falamos da vida, da minha, da sua, da que vivemos, da que não vivemos, da que gostaríamos de viver. Falamos banalidades e intelectualidades, falamos sobre cultura e humanidade, mentiras e verdades. Falamos. Dizemos. Escutamos. Com palavras e com silêncio.

“Se eu tivesse medo de dizer não estaríamos aqui.” Ainda assim uma mentira. Porque não é sem medo que digo, não é sem medo que fico, não é sem medo que te chamo de volta. Também não é apesar do medo. É com ele. Porque o medo é sinal da felicidade, assim como a angústia é sinal do desejo. Só tenho medo porque estou feliz.

“Tenho medo que você não volte.” Verdade. Verdade dita com medo, mas dita. Assim me apresento, me despeço, te endereço e chego mais perto da minha verdade.

“Tenho medo que você não volte.” Mas ainda assim te quero. Porque com você aprendo a cada dia, a cada vez, a cada voz, a viver com medo. E sabe o que descobri? O medo não é tão assustador assim. Viver sem medo – e sem você – me assusta muito mais.

5 comentários:

Tatiana Kielberman disse...

Perfeito texto, querida!!

Medos, angústias e sensações que se misturam nas palavras...

Que bom que, em alguns momentos, conseguimos enganar o medo!

Beijo carinhoso!!

Ana SSK disse...

Mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer, disse Mário Quintana.
Por vezes nosso desejo nos revela, e nos faz parecer mentirosos...

Lívia Azzi disse...

Carina,

Li seu texto várias vezes, por puro prazer, de tão gostoso que está! Deu vontade de grifar frases com meus marcadores removíveis, como faço com meus livros prediletos.

;-)

As mentiras se fundem mesmo com as verdades;
o 'não-dito' é um inferno!

Felicidade e angústia são obras de Eros...

Amar é o medo de o amado levar o encantamento embora, cruelmente em silêncio, calando a fantasia.

Beijo!

Anônimo disse...

Verdade dita com medo, assim como toda verdade...

Vilmar Barros de Oliveira disse...

Carina,
Que texto delicioso!
Li devagar e reli.
è um poema disfarçado de prosa
adorei.
bjo

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