terça-feira, 19 de julho de 2011

Fecho-me com cadeados de silêncio.

Muitas vezes calo por medo. Medo de não saber o que falar, de falar e me arrepender, de falar errado. Mas calar não é mais seguro do que falar. Calar e não fazer tem tantos efeitos quanto falar e fazer. Basta nascer para que algo se ponha em movimento e não termine nunca, não importa quantos anos passem. O que falamos e calamos, fazemos ou deixamos de fazer, continua acontecendo em nós e nos outros por muito mais tempo do que gostaríamos ou temos intenção, ou mesmo muito além da nossa existência física. Nossos efeitos são para além de nós, a inércia desencadeada por nossas atitudes e palavras é contínua e imprevisível. Ao começar esse texto não tenho como saber onde ele me levará. E, se publicado, passará a tocar não sei quantas pessoas, das maneiras mais diferentes imagináveis e inimagináveis, e não tenho controle algum sobre isso. Por isso calar parece mais seguro. Mas é apenas ilusão. Não falar o que preciso é tão ou mais perigoso. As palavras ficam entaladas e perco a capacidade de respirar. As palavras precisam ser ditas para que o mundo siga, para que haja a chance de algo além da repetição contínua. Mas é justamente isso que temo: o novo, do qual nunca sei. E tento então evitá-lo não fazendo nada. Mas fazer nada é fazer. É evitar riscos de perder, mas não ter a chance de ganhar. Fazer nada, falar nada, é encher ainda mais de vazio essa existência esburacada que é a minha. E há momentos em que o vazio parece transbordar de letras e atos, sonhos e fatos, que existem na minha cabeça e imploram para serem tornados reais, para existirem no mundo, para desempenharem sua tarefa de tocar os outros, de desencadear o que está trancado. Fecho-me com cadeados de silêncio. Calo, por saber que as palavras são como chaves: quando ditas abrem portas. E não sei o que essas portas encerram. Que segredos estarão escondidos no silêncio? Aqui, descobri um: calo por medo. E, agora descoberto, não posso mais ignorá-lo. Agora exposto, não posso mais desviar o olhar. Ali está meu silêncio, que fala muito, me olha e diz: vai recuar mais uma vez?
Quero recuar. Retroceder, retornar, desfazer. Repetir. Mas já não posso. Já falei, já escrevi, e as palavras me constrangem à atitude. Falo, então. Escrevo. E espero agora as consequências do que iniciei aqui, e que terminará muito além do fim do silêncio que me fez começar.

11 comentários:

Anônimo disse...

Adorei!

Quando ditas abrem portas.

JasonJr. disse...

...e que seu calar nunca torne-se um apagar-se ou apagar...

Rui Pascoal disse...

Descobri o segredo desse cadeado... mas não o vou revelar.
:)

Suzana Martins disse...

As suas palavras precisavam sim serem ditas. Calar seria um erro, uma aglomeração dos sentidos... Você precisava falar, e eu precisava te ler...

perfeito, minha linda!!!

beijos

Vilmar Barros de Oliveira disse...

Oi Carina B. Bom dia!
Feliz dia do amigo pra vc!
Há um ditado que diz: "a palavra é de prata e o silêncio é de ouro". mas acho que a palavra se faz necessária nos momentos certos.
Beijo grande

Rafaela Gomes Figueiredo disse...

a Li [Prates] me apresentou.
eu gostei!

eu tb me calo frequentemente; ouço o que o silêncio me diz e, assim, travamos um diálogo sincero como ele só.

=)

Talita Prates disse...

Que bom que você não se calou (porque teu silêncio denunciado me atingiu em cheio).
Sigamos... talvez viver/existir seja a síntese dessa dialética entre o calar e o dizer...

Adorei, querida!

Um beijo,

Talita.

Ayanne Sobral disse...

'Por tanto querer dizer, acabo engolindo as palavras. E não é essa minha vontade, essa vontade é do meu medo e da minha inexperiência em domá-las. Temo, mas não repreendo...
Talvez a única coisa que eu queira dizer é que quero dizer, sem medo. Porque mesmo que eu não diga nada, ainda assim é amor o que estou dizendo.'

Tuas palavras me lembraram as que eu já escrevi, um dia. Não tive como não me enxergar no teu texto, que é único. Único dentro da maneira singela com que você veste os dedos no momento da escrita.

Já disse antes, e saliento, admiro e gosto muito do seu jeito de escrever, Carina.
Lindo, sempre.

Lívia Azzi disse...

Nunca resisto a falar e a escrever uma carta e enviar... Conforta-me ler aqui que calar não seja mais seguro que falar. Muitas vezes fico pensando se coisas ditas e enviadas deveriam mesmo ter sido feitas, mas daí eu lembro que sem tê-las feito me faltaria o ar para respirar, exatamente como você escreveu.

Rafa Antunes. disse...

Você escreve muito bem, parabéns [:

Jorge Pimenta disse...

o homem é sobretudo a linguagem.
nenhum acto linguístico é inocente e os seus efeitos jamais se inscrevem no domínio do inócuo. esta crónica belíssima, por exemplo: suscite ela o mais acalorado aplauso ou o mais gélido e indiferente esgar, suscitou reacções e é nos seus efeitos que ela cresce, amadurece e se efectiva na eternidade não apenas do acto que a gerou, mas também de todos os actos que a transformaram.
magnífico texto, querida amiga!
um beijinho!

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