segunda-feira, 16 de maio de 2011

"o que nos aproxima está além do sentido"

- Não consigo nem olhar pro lado.

No dia seguinte, acordei com torcicolo.

Essa poderia ser uma piada, e de certa forma é, mas aconteceu de fato. Há poucas semanas, comentando um texto, escrevi que nosso corpo, mais do que carne, é feito de palavras. Parece que meu corpo quis corroborar meu dito e ainda me mostrar que o “não conseguir olhar pro lado” metafórico, o das palavras, dói muito mais do que o torcicolo.

Algumas pessoas podem pensar que foi uma coincidência, ou que estou inventando, ou ainda minimizar, mas o efeito dessa tradução que meu corpo faz das palavras que digo me assusta, e muito. Se meu próprio corpo às vezes não entende o que eu quis dizer, quem vai entender? Aliás, o que significa essa expressão eu quis dizer? O que eu quis dizer não existe, o que vale é o que eu disse. Temos a tendência de contemporizar tudo: “o que vale é a intenção”, “eu não quis magoar”, “eu não sabia”. Não importa. Não faz diferença se não foi bem isso que eu quis dizer. Foi o que eu disse.

E, além disso, mesmo que eu explique perfeitamente o que queria dizer, nunca sei como o outro vai entender. Só sei que não será exatamente como pensei. Não há correspondência plena entra o que se diz e o que o outro escuta. Cada um é marcado pelas palavras de forma diferente. Ao ouvir a palavra diferença eu evoco alguns significados, você certamente diria outros. Não é porque você não me entendeu bem e preciso dizer de outra forma, é porque não há entendimento possível. Mas não acreditamos nisso, e seguimos nos comunicando assim, tentando o tempo todo nos entender, nos explicar, achando que esse é o grande objetivo da linguagem, que é a compreensão que nos une. Não é.

As palavras não nos ligam ao outro melhor se o entendimento for maior. O que faz laço, o que nos aproxima, está além do sentido. É o que a sua palavra desperta em mim, o que a minha letra causa em você. E isso não temos como controlar, por melhor que expliquemos. Só distraídos do entendimento é que dizemos o que mais nos marca.

Vejo agora como me desviei do que achava que seria esse texto. O corpo ficou lá em cima, as palavras me escreveram e me levaram para outro caminho, e eu segui. E não vou reescrever, em outro momento talvez escreva sobre a força das palavras sobre o corpo. Hoje, escrevi sobre a força das palavras em mim.

7 comentários:

Ana SSK disse...

Somos marcados pelo significante. Antes de falarmos, somos falado. Algo fala em nós. Não é isso? O seu post, na verdade a introdução dele, me lembra algo meu, também. Um sonho. Em que eu não deveria olhar para a direita, e acordei com torcicolo. Pode parecer muita loucura para quem te lê ou para quem lê o meu episódio... E é. Disse Lacan que a Psicanálise nada mais é do que um delírio bem organizado. Né?

Texto super super bem escrito. Lindo.

Fabrício César Franco disse...

"O que eu quis dizer não existe, o que vale é o que eu disse." Ótimo, é isso mesmo. Quase que eu escrevia: disse tudo. Mas ainda falta muito a dizer. Não o que se quer, mas o que se diz. E o que você disse é exato!

Beijo!

Teresinha Oliveira disse...

Por arrogância ou cansaço, desisti de me dizer com intenção. Se nem mesma eu consigo me compreender no que falo ou escrevo, quiçá o outro. Mas quem sabe com sorte alguém por aí me descubra dentro da minha palavra, e se torne um amigo.

Lívia Azzi disse...

Olá, Carina!!

Se o corpo é feito de palavras, também pode ser poema: "A maioria das doenças que as pessoas têm são poemas presos..."(Viviane Mosé).

Palavras são abismos que juntas formam labirintos: não há saída possível entre o que é dito e entendido, só há direções a seguir para além das palavras...

Texto profundo e belo!

Lia Araújo disse...

eu entendi.
obrigada querida, pelos votos de feliz aniversário... foram muito importantes! obrigada de coração!

bjos

Anônimo disse...

O que faz laço, embrulha o estômago.

Ayanne Sobral disse...

Nossa, que texto lindo!

Nós somos marcados pela linguagem, desde sempre.
Você falou sobre isso perfeitamente.

Mas você falou também sobre a sua comunhão com as palavras. E foi de uma sutileza e beleza incrível.

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