- Já estou vendo que você é perigosa.
Quase um ano depois percebo quanto tempo e energia gastei tentando provar a ele – e a mim – minha resposta: não sou perigosa. Sou estável, confiável, leal, segura. Numa analogia que usei muitas vezes em relação a nós me descrevo como pedra. Mas de que pedra falo? Uma pedra enorme, parada, pesada, quase montanha, intransponível? Ou uma pedra de rio, que apesar de presa no mesmo lugar a cada dia muda, sendo lixada e moldada pela força das águas? Ou ainda uma pedrinha daquelas que resultam de britadeira no asfalto, tão pequena e leve que voa com o vento quase como se vento fosse?
Sempre julguei que era a maior, imutável, e por isso não oferecia perigo nenhum: o que podemos prever não nos assusta. A repetição acalma; por pior que seja, sabemos como lidar com ela. Mas hoje, quando me vejo, não me reconheço. Quando me penso, não me entendo. Quando me sinto, não me explico. Acho que poderia ser qualquer uma dessas pedras. Acho que sou todas. E me assusto. Porque não sei se sou perigosa. Perigosa para quem? Para o outro? Se nem eu sei quem sou, quem é esse eu que me habita, que corpo é esse que me pertence, mas não me comporta, como posso garantir ao outro que sou estável? Não posso. Não tenho mais garantias, nem certezas, e elas me faltam enormemente. A sensação é de que elas quando partiram me despedaçaram. E agora sou esse monte de pedaços, fragmentos de histórias que não se juntam mais harmoniosamente. Tento me colar e acabo criando um mosaico de mim.
Porque acho que preciso dar garantias ao outro? Porque acredito que, sem elas, ele vai embora. Porque ainda reluto em aceitar que é o desejo, e não o saber que une as pessoas. Porque eu preciso de garantias. Ou costumava precisar. Aí está meu maior medo, o grande perigo que represento: eu mudo. Mudo para não emudecer. E quando falo, as garantias se acabam. Quando abro a boca, ou mexo os dedos, não sei o que vai sair. Ao começar a escrever essas linhas, não sei onde vou parar. Não posso garantir que você vai gostar do que ler. Pode ser uma história triste ou pode ser uma declaração de amor. Qual delas te assusta mais?
12 comentários:
A ânsia por garantias nos paralisa. O desejo assumido nos dá movimentos...mas...ai, que trabalheira dá pra assumir um desejo. Tem que mexer em escombors assustadores, em coisas que lá estão, há tanto tempo que parecem séculos...temos que nos despir e enfrentar um pudor que nada tem a ver com a moral, mas com a ética. Com a nossa ética.
O que me assusta mais? Você escrever tão bonito de uma coisa tão difícil.
Eu sou uma pedra de rio.
Declaração de amor cura soluço ou dá soluço?
Belas palavras deslizam entre as vozes de quem sente e vive amando...
lindo..
beijos
Esse seu texto me doeu.
Doeu como a dor que ele escancara. A dor de mudar para não emudecer, para não enlouquecer.
Mosaicos são os nossos cacos. E como são lindos os nossos cacos.
Encantada com as tuas palavras.
Vou gostar muito de ler todas as palavras, pois elas mostram a sua essência!
Beijo carinhoso, querida... Lindo demais!
Diga para ele ler O amor líquido.
O amor não dá garantia nenhuma.
Lembrei-me de Lóri e Ulisses: "para aprender a alegria você precisa de todas as garantias?"
Para saltar de um nós desejamos sempre ter um pára-quedas de proteção, não é?!
Encontro e me perco em seu texto, Carina!
Beijos...
só de pensar que até a mais ínfima areia de praia foi, já, pedra...
nada é definitivo e, por vezes, o mais robusto desvela-se o mais frágil.
beijinho, carina!
Adoro estes momentos de desencontros internos, em que aquilo que era verdade se torna uma pergunta muitas vezes sem respostas. E pra mim, este é o melhor da vida.
Beijos
visitei e gostei daqui, estou seguindo!
me segue, espero que goste do meu blog tb.
bjs boa quarta-feira ♥
Eu te garanto que gostei do que li viu moça! Gostei muito!
Tenha um lindo final de semana,
Beijo
As garantias acabaram, risco e medo confrontam-se dia a dia.. e nem saber, nem desejo.. o ser humano não experimenta isso que o imaginário chama de 'união', a não ser como fogo utópico...
E a despeito do esvaziamento das garantias, há a 'ambiguidade', a espreitar qualquer certeza de um fim da história..
As pedras, enfim, continuarão a guerrear com as águas e os ventos.
Texto bonito e estimulante, Carina.
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