O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda.
Escrevi essa frase alguns meses atrás e desde então ela tem me acompanhado. Escrevi-a para falar de um outro, de um personagem, mas sempre que escrevo, mesmo falando do outro, estou falando de mim. Nesse caso, é como se tivesse escrito um mantra, que devo repetir a cada dia, para que não que me esqueça: "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."
Porque eu escrevi mas não acredito, pelo menos não na maior parte do tempo. Eu passo dias, semanas, meses, presa ao pensamento que segura o pulo. Acho que se analisar bem, se conseguir entender exatamente como pular, escolher o local, estabelecer a posição do corpo, descobrir a velocidade do vento e a temperatura do sol, o pulo vai ser tranqüilo, e a queda, um simples aterrissar nas nuvens. Só que esse pensamento todo me custa muito. Fico nervosa com a possibilidade de que alguma coisa escape, de que alguma variável não tenha sido bem analisada. E penso que preciso de mais tempo para ter certeza de que tudo vai correr bem, e também que tenho que pular logo, ou as condições vão mudar e meu estudo terá sido em vão. As dúvidas me angustiam, e a angústia é das piores dores: "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."
Será que fui eu mesma quem escreveu essa frase? Ou foi ela que me escreveu? Afinal, nem sei de que eu falo, mas sei que estou ali, no pensamento, apavorada com a queda. Medo de quebrar, de não conseguir levantar, de não ter quem me dê a mão. O problema é que se não pular não quebro, mas também não ando. Fico parada, na beira do precipício, e enquanto isso a vida passa por mim. E ao escrever isso me assusto com a possibilidade de que a vida passe e eu nem veja. O pensamento cega. Fecho os olhos não para pular, mas para pensar: "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."
Qual é a saída? Há saída? Percebo que penso tentando encontrar a saída mais fácil, mais segura, mais indolor. Mas ela existe? Suspiro e digo, em voz alta, para tentar me escutar: não. Viver se escreve com risco. Não há evitação possível da dor que não evite também a vida. E quero tanto tentar não evitá-la. Mas quero e não quero. Presa no conflito entre o medo e o desejo, paro, penso. Penso até que quero pular, mas não pulo. E os pensamentos já me controlam de novo: o que é pular, como faço, como saberei que pulei... "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."
Pular, agora, é escrever esse texto. É soltar essas palavras e conviver com os efeitos delas que restarão em mim. É endereçá-las e descobrir o que elas causarão no outro. É cair, porque sei que elas não dirão tudo, e nem me traduzirão do jeito que eu quero. Mas não há outro jeito. Se é preciso me inscrever nessa frase - e é preciso - tenho que pular com ela. Mesmo sabendo que um pulo não garante o próximo. E que a cada vez precisarei escrever, e viver, de novo: "O pensamento que segura o pulo dói mais do que esborrachar-se ao fim da queda."