“O que aconteceu é o de
menos. É um romance, e o que acontece neles não tem importância, a gente
esquece, uma vez terminados. O interessante são as possibilidades e ideias que
nos inoculam e trazem através de seus casos imaginários (...)”
Essa afirmação, aparentemente estranha,
se prova absolutamente real ao ler “Os Enamoramentos”, de Javier Marías. Já li
vários livros dele, de muitos não lembro a história, mas a sensação depois de
cada um é a mesma: inquietação, curiosidade, vontade de ler mais, de estudar
mais, de viver mais. Claro que histórias são importantes num romance, e em “Os
Enamoramentos” temos vários elementos de uma grande história: um casal
aparentemente perfeito, uma morte súbita e violenta, um personagem que não é o
que parece à primeira vista. Porém, o que me prendeu ao livro foi mais do que
isso. Foi o que senti durante e depois da leitura. Porque há livros que nos
fazem esquecer a vida, viajar, fantasiar. E há livros, como “Os Enamoramentos”,
que nos fazem ler nossas próprias vidas, reconhecer nossos sentimentos, descobrir
um pouco mais sobre quem somos, e sentir que não estamos sozinhos. Afinal, quem
é que nunca se apaixonou? Ou melhor, se enamorou, que segundo Javier são coisas
diferentes. O enamoramento do qual ele fala no livro é “(...) sentir um fraco,
verdadeiro fraco por alguém, e que esse alguém produza em nós essa fraqueza,
que nos torne fracos. Isso é o determinante, que nos impeça de ser objetivos e
nos desarme perpetuamente e nos leve a nos render em todas as contendas (...)”.
Se você já sentiu isso, certamente vai se identificar com as “burrices”
que Javier descreve, aquelas que só fazemos quando estamos desarmados - e
desamados. Os questionamentos e afirmações que ele faz acerca do caráter
mutável dos nossos sentimentos, e da impossibilidade de averiguar com acuidade
as palavras e intenções do outro, traduzem algo que faz parte do nosso dia a
dia sem que nos demos conta, mas basta ele falar para que percebamos como
aquilo é real.
Li a história de María, Miguel, Luisa e Javier traçando paralelos com a
minha própria história o tempo inteiro. E é isso, mais do que qualquer coisa,
que torna “Os Enamoramentos” um grande livro.
É um livro que é capaz de contar uma história que não é só aquela que
está escrita, mas é mais ainda aquela que lemos, e aquela que se inscreve em
nós.