segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Pai


Pai,

      eu deitei, abri o livro, mas não li uma palavra. Não li porque essa outra palavra me interrompeu: pai. E no instante que ela surgiu lágrimas brotaram, lembranças romperam barreiras, e a represa arrebentou. E acho que preciso escoar toda água, toda mágoa, todas as letras que crio tentando cercar o que sempre escapa: a falta.
      Você me faz falta. A sua ausência me marcou, me marca, a cada dia. Hoje tenho o dobro da idade que tinha quando você morreu. Isso significa que já vivi metade da minha vida sem você. Eu gostaria que você tivesse estado ao meu lado nos “grandes momentos”: vestibular, formatura, casamento, separação. Mas não é nessas horas que dói mais. A sua ausência pesa mesmo é em momentos simples. Quando ouço Martinho da Vila e lembro-me da amizade de vocês. Quando, no carnaval, a Portela desfila e lembro-me do chaveiro de metal com a águia azul que você sempre usava. Quando o Fluminense foi campeão brasileiro e pensei que a última vez que isso tinha acontecido eu era uma menininha que você carregava nos ombros e levava aos jogos no Maracanã. E, assim, sem motivo, quando abro um livro e ouço a palavra: pai. E sinto que preciso te escrever. É isso, agora eu escrevo, pai. Os livros que você tanto adorava tornaram-se meus companheiros ainda mais necessários desde que você se foi.
      Comecei essa carta com uma necessidade avassaladora de escrever sem saber como ou o que escrever. Agora acho que essas letras são, como tudo que escrevo, tentativa de dar conta do que o pensamento não consegue. Tentativa de construir uma borda que seja na tua falta, que é a minha falta, que é o vazio e a solidão de todo e qualquer sujeito. E vivo dividida entre buscar a solidão e fugir dela. Porque a solidão dói, mas estar com o outro me assusta, pai. Eu tenho sempre muito medo de perder mais alguém como perdi você. Cada vez que alguém sai da minha vida eu sinto tua morte de novo. E dói, muito, então eu me poupo, afrouxo o laço, solto a corda, abro a mão. A dor da solidão é sempre a mesma. A dor da perda é sempre nova, cada perda re-significa todas as anteriores. Fugir do novo sempre me parece a melhor opção. Mas ao mesmo tempo não quero ficar sozinha. Acho que também por isso escrevo essas palavras.
      Eu preciso da tua mão, pai. Preciso que você me ensine que a tua morte não te encerrou em mim. Que você continua aqui. Que os laços, quando são reais, não se desfazem com a ausência, nem com a morte. O laço que liga uma pessoa à outra é o mesmo que liga essas duas pessoas ao mundo. Diz-me então, pai, com essas letras que eu escrevo, mas que vieram de você, que a solidão existe, mas que ela não é tudo. Que os laços contornam, amarram, seguram. Que nascemos e morremos sós, mas que as palavras já nos diziam antes de nascermos e continuarão nos escrevendo depois que morrermos. E que é por isso que escrevo. Éque, quando escrevo, não estou só.