Pai,
eu deitei, abri o livro, mas não li uma
palavra. Não li porque essa outra palavra me interrompeu: pai. E no instante
que ela surgiu lágrimas brotaram, lembranças romperam barreiras, e a represa
arrebentou. E acho que preciso escoar toda água, toda mágoa, todas as letras
que crio tentando cercar o que sempre escapa: a falta.
Você me faz falta. A sua ausência me
marcou, me marca, a cada dia. Hoje tenho o dobro da idade que tinha quando você
morreu. Isso significa que já vivi metade da minha vida sem você. Eu gostaria
que você tivesse estado ao meu lado nos “grandes momentos”: vestibular, formatura,
casamento, separação. Mas não é nessas horas que dói mais. A sua ausência pesa
mesmo é em momentos simples. Quando ouço Martinho da Vila e lembro-me da amizade
de vocês. Quando, no carnaval, a Portela desfila e lembro-me do chaveiro de
metal com a águia azul que você sempre usava. Quando o Fluminense foi campeão
brasileiro e pensei que a última vez que isso tinha acontecido eu era uma
menininha que você carregava nos ombros e levava aos jogos no Maracanã. E,
assim, sem motivo, quando abro um livro e ouço a palavra: pai. E sinto que
preciso te escrever. É isso, agora eu escrevo, pai. Os livros que você tanto
adorava tornaram-se meus companheiros ainda mais necessários desde que você se foi.
Comecei essa carta com uma necessidade
avassaladora de escrever sem saber como ou o que escrever. Agora acho que essas
letras são, como tudo que escrevo, tentativa de dar conta do que o pensamento
não consegue. Tentativa de construir uma borda que seja na tua falta, que é a
minha falta, que é o vazio e a solidão de todo e qualquer sujeito. E vivo
dividida entre buscar a solidão e fugir dela. Porque a solidão dói, mas estar
com o outro me assusta, pai. Eu tenho sempre muito medo de perder mais alguém
como perdi você. Cada vez que alguém sai da minha vida eu sinto tua morte de
novo. E dói, muito, então eu me poupo, afrouxo o laço, solto a corda, abro a
mão. A dor da solidão é sempre a mesma. A dor da perda é sempre nova, cada
perda re-significa todas as anteriores. Fugir do novo sempre me parece a melhor
opção. Mas ao mesmo tempo não quero ficar sozinha. Acho que também por isso
escrevo essas palavras.
Eu preciso da tua mão, pai. Preciso que
você me ensine que a tua morte não te encerrou em mim. Que você continua aqui.
Que os laços, quando são reais, não se desfazem com a ausência, nem com a morte.
O laço que liga uma pessoa à outra é o mesmo que liga essas duas pessoas ao
mundo. Diz-me então, pai, com essas letras que eu escrevo, mas que vieram de
você, que a solidão existe, mas que ela não é tudo. Que os laços contornam,
amarram, seguram. Que nascemos e morremos sós, mas que as palavras já nos
diziam antes de nascermos e continuarão nos escrevendo depois que morrermos. E
que é por isso que escrevo. Éque, quando escrevo, não estou só.