terça-feira, 26 de julho de 2011

Verdade?

Desde o dia em que assisti o filme “O Bigode”, de Emmanuel Carrère, tenho pensado sobre a verdade. No filme, passamos o tempo inteiro sem saber qual é a verdade de fato, e nem ao final dele essa resposta é dada. Afinal, o que é a verdade? Ela existe? A verdade só tem esse estatuto se nós o damos. O que é verdade para mim pode não ser para você. E isso não quer dizer que um dos dois esteja mentindo. Acontece que não há nada que envolva o humano que seja objetivo. Tudo é sempre influenciado pela nossa percepção, pelo que acreditamos, pelo que sabemos, e, para complicar ainda mais, pelo que não sabemos também. Nosso inconsciente tem papel de protagonista nas nossas verdades e mentiras. Por isso sempre que mentimos dizemos muito de nós. Qual foi a história escolhida? A desculpa dada? O que omitimos? Tudo isso tem ligação com algo de nós que desconhecemos.

Outro dia escrevi sobre como calar não era mais seguro do que falar. Pois mentir também não é mais seguro, nem mais perigoso. Contar, seja o que for, sempre cria laços. Tudo que dizemos e que nos é dito pode ser falso ou verdadeiro, pode inclusive ser verdadeiro quando foi contado a primeira vez e já não ser mais da segunda vez. Tudo pode ser falseado ou tornar-se verdade. Então essa verdade verdadeira que muitas vezes buscamos é utópica. A imparcialidade é uma utopia, tudo que diz respeito ao humano é arbitrário.

Sempre que alguém lhe conta algo você tem duas alternativas: acreditar ou não. Se formos checar a cada vez os fatos, buscar outras fontes, tentar fazer com que a pessoa seja “pega na mentira”, quem fica preso somos nós. O que importa é o discurso, não o conteúdo. E, se criar uma ficção é fácil, mantê-la não é, e tudo que for feito na tentativa de sustentar essa “mentira” pode dizer mais que a verdade não dita.

Já ouvi diversas vezes que sou muito crédula. E que tanta credulidade seria incompatível com uma pessoa inteligente. Discordo. Entender que o mais importante é dizer, e não a veracidade do dito, é algo que só vem da sabedoria de que não se pode saber tudo.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Fecho-me com cadeados de silêncio.

Muitas vezes calo por medo. Medo de não saber o que falar, de falar e me arrepender, de falar errado. Mas calar não é mais seguro do que falar. Calar e não fazer tem tantos efeitos quanto falar e fazer. Basta nascer para que algo se ponha em movimento e não termine nunca, não importa quantos anos passem. O que falamos e calamos, fazemos ou deixamos de fazer, continua acontecendo em nós e nos outros por muito mais tempo do que gostaríamos ou temos intenção, ou mesmo muito além da nossa existência física. Nossos efeitos são para além de nós, a inércia desencadeada por nossas atitudes e palavras é contínua e imprevisível. Ao começar esse texto não tenho como saber onde ele me levará. E, se publicado, passará a tocar não sei quantas pessoas, das maneiras mais diferentes imagináveis e inimagináveis, e não tenho controle algum sobre isso. Por isso calar parece mais seguro. Mas é apenas ilusão. Não falar o que preciso é tão ou mais perigoso. As palavras ficam entaladas e perco a capacidade de respirar. As palavras precisam ser ditas para que o mundo siga, para que haja a chance de algo além da repetição contínua. Mas é justamente isso que temo: o novo, do qual nunca sei. E tento então evitá-lo não fazendo nada. Mas fazer nada é fazer. É evitar riscos de perder, mas não ter a chance de ganhar. Fazer nada, falar nada, é encher ainda mais de vazio essa existência esburacada que é a minha. E há momentos em que o vazio parece transbordar de letras e atos, sonhos e fatos, que existem na minha cabeça e imploram para serem tornados reais, para existirem no mundo, para desempenharem sua tarefa de tocar os outros, de desencadear o que está trancado. Fecho-me com cadeados de silêncio. Calo, por saber que as palavras são como chaves: quando ditas abrem portas. E não sei o que essas portas encerram. Que segredos estarão escondidos no silêncio? Aqui, descobri um: calo por medo. E, agora descoberto, não posso mais ignorá-lo. Agora exposto, não posso mais desviar o olhar. Ali está meu silêncio, que fala muito, me olha e diz: vai recuar mais uma vez?
Quero recuar. Retroceder, retornar, desfazer. Repetir. Mas já não posso. Já falei, já escrevi, e as palavras me constrangem à atitude. Falo, então. Escrevo. E espero agora as consequências do que iniciei aqui, e que terminará muito além do fim do silêncio que me fez começar.

sábado, 16 de julho de 2011

Ou é ou não é.

“Você anda bem feliz, né?”
Li essa frase e me assustei. A felicidade me assusta. Sempre me assustou. Temo tudo que não pode ser analisado, entendido e explicado, e a felicidade não se presta à medição alguma. Ocorre-me agora que o amor também não. No entanto, eu me considero uma pessoa romântica até demais. Mas se for sincera, sincera mesmo, aquela verdade nossa que nem conhecemos direito, teria que dizer que tenho também medo do amor. E, o que é pior, não tenho só medo que dê errado: tenho medo que dê certo, também. Aliás, certo e errado são conceitos que tem me tomado muito nos últimos dias. Porque eu acho que faço tudo errado, principalmente quando amo. Aceito o que não devia, falo o que não podia, calo o que teria que dizer. Mas todos esses “devia, podia, teria” são racionalizações. São idéias e ideais que uso como se fossem tijolos e cimento necessários para construir. Um muro ou uma casa, não sei. Não sei nem se construo para me proteger ou para me prender. Acho que as duas coisas. Construo pensando que estou me protegendo, quando na verdade estou me prendendo. Afinal, proteger-me do que? Da dor, do fim, do não-saber? Mas há vida sem isso? Fujo da falta de sentido tanto quanto do excesso de sentimento. E escrevo muita besteira tentando entender e explicar. Excesso de sentimento, desde quando isso existe? Não se ama muito ou pouco. Ou ama ou não ama, e amando há todas as constantes inconstâncias de sentimento: dentro do amor cabe quase tudo, e percebo agora que cabe o medo também. O medo que mata o amor é o que está fora dele. Do lado de dentro, o medo é só mais um dos milhares de sentimentos que fazem do amor, amor. Sentimentos ruins, bons, certos e errados. Não há quantificação nem qualificação para o amor. Ou é ou não é. É. Amo. Por isso faço tudo errado, por amor. E, por amor, tudo dá certo.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Escrevo para dizer o que não sei falar.

Gostamos de recordar e pensar no que não percebemos à época, imaginar que tal coisa poderia não ter acontecido, ou que tudo seria diferente se apenas tivéssemos sabido. Mas é sempre impossível saber onde terminará o passo ao levantar o pé. Só na linha de chegada é que descobrimos qual era o nosso destino, porque ele não existe sem a caminhada.

Falo disso porque era o que estava fazendo agora, antes de começar a te escrever essa carta. Estava me lembrando do nosso reencontro virtual, o primeiro contato depois da noite em que nos conhecemos. Foi uma conversa curta, em que me senti completamente segura, protegida do real dos seus olhos e do desejo. Apenas nós e as letras.

Como eu poderia saber? Naquele momento era impossível desconfiar que seriam justamente as palavras que me derrubariam de vez. Afinal, como prever que as suas palavras iriam inscrever-se em mim de tal forma que delas nasceriam novas palavras, e outras, e tantas, em mim, em você, atando-nos um ao outro cada vez mais? Quem diria que mais de um ano após aquele jantar, com aquele fim, sem nenhuma indicação de continuidade, eu estaria de madrugada escrevendo e endereçando a você palavras digitadas em uma tela de computador? E, mais que isso, que seriam palavras assim, íntimas, envergonhadas, que carregam em si um pedaço meu? E agora, o que será que acontecerá com essa carta? Nem eu sei que rumo ela tomará ou qual será o seu fim, pois escrevo por necessidade de te dizer o que não sei falar.

Tento me lembrar para poder explicar. Mas não sei dizer porque continuo ao seu lado. Você roubou-me o que eu tinha de mais caro - minha adorada ilusão de controle - e ainda assim só o que eu quero é você. Ou talvez não seja "ainda assim", talvez seja "porque" você tomou a minha maior ilusão que te quero tanto. Talvez seja pelos motivos escritos, reescritos, inscritos, que me assaltam de forma tão intensa nos momentos mais inesperados. É engraçado, escrevi isso e imediatamente me vieram sua imagem e sua voz dizendo: "Mas você não acha que isso é porque ..." e dá uma explicação que não consigo imaginar. E é exatamente isso. Porque eu te lembro, te sonho, te desejo, mas não sei te prever. E nem quero. Talvez fosse isso o que eu precisava te dizer. Que eu não sei. Que tenho mil motivos e nenhuma explicação. Que estar com você é uma escolha feita a cada dia, a cada vez. Ao seu lado caminho de olhos fechados, e dou o próximo passo sem medo. Porque na nossa história o tropeço é sempre um novo começo.